Como uma nova metodologia de voto pode mudar a nossa realidade política?

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Nos últimos anos, um debate tem sido constante entre os meus amigos: a necessidade de melhorar a forma como elegemos os políticos do Poder Executivo. Representantes dos cidadãos, que devem atuar em prol do interesse público. Prefeitos, governadores e presidentes.

Ao contrário, o que vemos são candidatos que não refletem os desejos da população, ou que despertam grande rejeição entre os eleitores. E se pudéssemos criar uma nova metodologia de voto que refletisse as preferências e rejeições dos eleitores de uma maneira mais fidedigna?

Como essa nova forma de voto ajudaria a governabilidade, aumentaria a quantidade de pessoas votando, melhoraria o debate político e reduziria o fenômeno de radicalização que estamos vivenciando nos últimos anos?

Esse é um cenário inflamado que gera consequências importantes para o dia a dia de todos nós, em um fenômeno mundial.

Como alguns exemplos, as eleições de Jair Bolsonaro, no Brasil, e de Donald Trump, nos EUA, e a saída do Reino Unido da União Europeia (Brexit).

Neste artigo, não falaremos sobre as correntes progressistas ou conservadoras, nem sobre o tamanho do Estado.

Além de imaginar os possíveis ganhos em um novo modelo de votos para a sociedade, nosso objetivo é promover o debate, ao trazer novas ideias sobre como tentar colocar no poder uma figura que represente melhor a preferência de todos.

Tendo como foco esses objetivos, apresento dados que retratam a situação atual sob um ponto de vista, talvez, desconhecido para a maioria.

Modelo corrente de voto: como funciona?

gráficos-eleiçõeImagem: metricx.blog

A imagem acima descreve o resultado das eleições de segundo turno desde 2002 relativo ao tamanho total do eleitorado e não dos votos válidos.

A primeira coisa que observamos é que no melhor dos cenários para o segundo turno, em 2002, 54% dos eleitores não votaram no Lula.

Ao consideramos as duas últimas eleições, os números do vencedor são ainda menos expressivos: os dois presidentes eleitos, em 2014 e 2018, não obtiveram os votos de 62% e 61% das pessoas que votaram no segundo turno, respectivamente.

Logo, a seguinte pergunta vem à mente: em que as pessoas que não votaram no candidato eleito pensam?

A resposta a essa pergunta define em muitos níveis a governabilidade que o ganhador terá.

Além disso, existe um ponto correlato muito importante sobre o contexto das eleições no Brasil: desde os governos do Fernando Henrique Cardoso, estamos vendo cada vez menos convergência da população brasileira, na escolha do presidente.

Para quem não lembra, em 1994 e 1998, as eleições não tiveram segundo turno. A partir de 2002, houve segundo turno em todas as eleições.

Outro ponto interessante foi a redução do GAP entre os candidatos ao longo do tempo: por exemplo, nas eleições da Dilma Rousseff, em 2014, apenas 2% da população votante decidiu a eleição. Esses números mostram como o cenário democrático está ficando acirrado.

Porém, qual o problema disso?

O problema não existe se estivermos falando de dois candidatos, no segundo turno, com rejeição baixa.

De tal modo, qualquer um que ganhe terá o apoio da maior parte dos votos válidos e não terá de governar com a rejeição da outra parte da população.

No entanto, se o segundo turno é formado entre dois candidatos com rejeição alta, o cenário político pode ser desastroso.

Foi isso que presenciamos nas duas últimas eleições: o segundo governo Dilma e o governo Bolsonaro.

 Eleições 2018

A rejeição dos candidatos foi tema de pesquisa do Instituto Datafolha, anterior ao primeiro turno de 2018. Ou seja, a pesquisa buscava saber em quais candidatos os eleitores não votariam: cada respondente poderia citar diversos candidatos.

gráficos-eleiçõeImagem: metricx.blog

O gráfico acima baseia-se em uma pesquisa do DataFolha, na semana anterior à eleição de primeiro turno de 2018.

Ela ilustra os candidatos em que os eleitores não votariam, de modo que cada respondente poderia citar diversos candidatos nos quais não votaria.

Apesar de não ser divulgado na matéria, trabalhei os dados e consegui verificar que, em média, um respondente não votaria de nenhuma forma em aproximadamente 3 candidatos, antes do primeiro turno.

Ademais, o principal ponto é que os dois então prováveis candidatos ao segundo turno mobilizavam públicos antagônicos: cada um dos dois candidatos era extremamente admirado por seus eleitores, mas rejeitado firmemente pelo público que tinha afinidade com o opositor.

Apenas 14% da população estava confortável com os dois candidatos e não rejeitava um dos futuros concorrentes ao segundo turno.

Entre os dois candidatos ao segundo turno, Bolsonaro e Fernando Haddad, ainda é possível perceber maior ou menor rejeição, considerando fatores como gênero, faixa etária, educação, salário, cor da pele e região do país, em tabelas comparativas.

Ainda assim, mesmo entre o público com menor propensão a votar no Bolsonaro, existe grande rejeição ao nome de Haddad.

O mesmo fenômeno ocorre para o perfil menos propenso a votar no Haddad, também com rejeição a Bolsonaro.

Por outro lado, nessas tabelas comparativas, é possível observar que a rejeição dos candidatos Ciro Gomes e Geraldo Alckmin possui percentuais mais baixos e próximos, entre os dois públicos (rejeição de Bolsonaro e Haddad).

rejeicao-bolsonaroTabela: metricx.blog
rejeição-haddadTabela: metricx.blog

Por que o cenário de polarização política é ruim para nós no dia a dia?

Com certeza, todos nós conhecemos alguém que brigou com familiares e amigos nas últimas eleições, em decorrência de opiniões políticas.

Apesar de já ser muito ruim socialmente e afastar ainda mais as pessoas de opiniões díspares, a polarização tem um resultado pior para o Governo.

É fundamental entender que o principal combustível do político do Executivo é a popularidade. Ou seja, para conseguir aprovar reformas impopulares, mas que visam melhorar o bem-estar da população em longo prazo, o governante queima popularidade.

Esse também é o caso quando temos crises estrangeiras, paralisações, choques em preços de commodities, grandes flutuações no câmbio, aumento de tributação, entre muitos outros temas.

Um político que assume o cargo com uma rejeição de mais da metade do país está fadado à demora da aprovação das pautas, a grandes cortes em projetos estratégicos e muitas vezes não conseguir aprovar diversos temas de importância vital para o país.

Isso acontece porque, sem construir maioria, todas as medidas serão polêmicas, não haverá apoio suficiente na Câmara e no Senado, tampouco entre os eleitores. A sensação da população será sempre de paralisação e demora.

Um país, estado ou município só consegue prosperar rapidamente com alinhamento, unidade, para tratar com urgência os temas prioritários.

Como podemos melhorar a forma de voto atual?

Para iniciarmos essa análise, é necessário entender que as eleições, os votos, são como uma pesquisa censitária (que busca atingir toda a população), por meio da qual você coleta a opinião das pessoas.

Quando entendemos isso, podemos acrescentar que, no modelo atual, ao votarmos em apenas um candidato, deixamos de fora muitas informações relevantes sobre as preferências dos indivíduos.

Portanto, a solução tem que passar pelo oferecimento de uma forma de voto (pesquisa), para a população, que expresse melhor as suas vontades e preferências.

Possibilidades

Ainda que existam muitas soluções metodológicas para coletar as preferências dos indivíduos de forma mais acurada, qualquer possibilidade precisa seguir as seguintes premissas:

  • Ser simples e fácil de entender – a metodologia precisa ser simples o suficiente para que a sociedade possa entender o modelo em todas as esferas de educação e idades.
  • Ser logisticamente possível – não podemos criar um modelo ideal oneroso: por exemplo, cada pessoa precisa passar 20 minutos votando; isso aumentaria as filas e o custo das eleições.
  • Obrigar o eleitor a decidir – ao avaliar os candidatos, os eleitores precisam tomar decisões, por isso temos de evitar avaliações com escalas que poderiam gerar preferências muito altas ou muito baixas para todos os candidatos concorrentes. Na prática, nesses casos, o voto da pessoa seria basicamente nulo.

Qual modelo metodologia de votos sugerimos?

Em pesquisa, existe uma forma de coletar a opinião dos consumidores que atende a todos os requisitos anteriores.

Chamamos essa forma de BWS (Best Worst Scale): você recebe opções e deve assinalar aquelas de que mais gosta e escolher as que mais rejeita.

É uma escala comum no tipo de pesquisa chamado MaxDiff, usado em diversas aplicações corporativas e acadêmicas, desde a compreensão da preferência de consumidores por certas marcas até a avaliação do perfil psicológico das pessoas.

Em nosso caso, teríamos apenas uma rodada de perguntas, utilizando BWS; ou seja, no primeiro turno, ao invés de votarmos em apenas um candidato, responderíamos às seguintes perguntas:

  • Qual candidato eu gostaria que fosse presidente?
  • Qual candidato eu não queria que fosse presidente de forma alguma?

Daqui para frente, vamos chamar esse indicador de IPE (Indicador de Preferência do Eleitor) para facilitar.

Portanto, cada cidadão teria um voto positivo e um voto negativo. Os dois candidatos com os melhores saldos fariam um segundo turno, quando votaríamos da mesma forma atual, em um candidato de preferência.

A conta é simples. Cada candidato teria um IPE:

  • % de votos válidos favoráveis (gostaria que fosse presidente) – % de votos válidos de rejeição (não queria que fosse presidente).

Na prática, cada candidato poderia ter como resultado um IPE, de -100% a 100%, sendo que:

  • 100% significa que todos votaram nele e ninguém o rejeitou;
  • -100% implica que ninguém votou nele e todos o rejeitaram.

Qualquer número acima de 0% significa que o candidato tem um número de pessoas que querem vê-lo como presidente maior do que aqueles que não querem ver.

Para ficar mais claro, vamos a um exemplo com cinco candidatos em um cenário fictício:

IPE-metodologiaImagem: metricx.blog

O cenário acima mostra uma eleição parecida com a que vimos no ano passado. Dois candidatos com uma grande preferência, mas também uma grande rejeição.

Se esse cenário fosse real, com as regrais correntes de votação, teríamos um segundo turno entre os candidatos 1 e 2 (primeiro quadrado), gerando todos os problemas citados.

No uso, entretanto, do proposto IPE, veríamos os candidatos 3 e 4 (segundo quadrado) no segundo turno, gerando uma nova disputa entre candidatos com uma boa aceitação da população.

O nosso objetivo é chegar a um candidato-consenso: não adianta ficarmos olhando o preferido por grande parte, se ele é também muito rejeitado por outra parcela.

É claro que, se tivermos um candidato com grande aceitação e baixa rejeição, ele também alcançará um bom IPE e passará facilmente para o segundo turno.

A ideia não é diminuirmos a importância do candidato mais admirado, e sim gerar um contraponto, tendo em mente que qualquer negociação para um bem-estar geral leva todos os lados a abrirem mão de alguma coisa.

Esse método abre diversas possibilidades: por exemplo, podemos ver candidatos em 3° ou 4°, em quantidade tradicional de voto, indo para o segundo turno; podemos ter cenários com alterações de apenas um ou nenhum dos candidatos, entre os que passariam ao segundo turno por meio do voto tradicional etc.

IPE (Indicador de Preferência do Eleitor): Quais os ganhos a nova metodologia de voto traria?

  • MAIOR PÚBLICO VOTANTE: o primeiro ganho esperado seria um maior público votando; as possibilidades de se manifestar a favor ou contra um candidato, assim como as possibilidades de valorizar candidatos menos expressivos, normalmente sem chances de segundo turno, poderiam levar mais pessoas ao exercício do voto.

Isto seria extremamente benéfico, pois significaria um candidato eleito com maior representatividade na população. Por que esse efeito é esperado?

Na última eleição, entre os eleitores que votaram, tivemos quase 10% de votos em branco ou nulos. Em geral, esses votos acontecem pela falta de identificação de um candidato que represente suas preferências.

Com o estabelecimento do IPE, ao invés do voto branco ou nulo, pode ser estimulado o “voto negativo”, já que, mesmo não gostando de nenhum candidato no primeiro turno, o eleitor pode também tentar tirar algum candidato que não gostaria que fosse eleito.

O aumento de votos no segundo turno vem da melhor seleção dos candidatos, fazendo com que as pessoas se sintam mais confortáveis para escolher.

Nas eleições de 2018, muitos eleitores não se sentiram à vontade para votar nem no Haddad, nem no Bolsonaro.

Com um segundo turno obtido na nova metodologia – primeiro turno considerando a rejeição dos candidatos, a chance de isso acontecer seria significativamente mais baixa.

  • REDUÇÃO DO VOTO ÚTIL: do público votante atual, muitos mudam seu voto para expressar sua rejeição a um candidato específico. Isto é, deixam de votar em quem querem, para votar em uma

segunda opção menos ruim, para que o candidato rejeitado não se eleja. 

Qual o problema do voto útil?

A prática atual faz com que candidatos novos, fora de grandes coalizões, dificilmente tenham chance de concorrer, pois, para o eleitor, fica a sensação de “voto jogado fora”. Pense: quantas vezes passou pela sua cabeça mudar o seu voto, no intuito de garantir uma melhor opção para o segundo turno? Ou para não deixar um candidato, que você rejeita, ganhar no primeiro turno?

Com o “voto negativo”, você pode usar o voto em quem você realmente quer, ou para tentar tirar aquele que rejeita.

  • CANDIDATOS MENOS RADICAIS: hoje, vemos um cenário em que um candidato pode usar um discurso para agradar apenas parte da população e assim chegar ao segundo turno e se eleger.

Com o IPE, todos precisarão ser mais razoáveis, negociar mais com progressistas e liberais, em um tom bem menos radical, pois uma parcela da população não será suficiente para garantir um segundo turno.

  • MELHOR CONTINUIDADE ECONÔMICA E SOCIAL: a diversidade de ideias e a alternância de poder são extremamente positivas, mas a troca contínua, entre governos muito progressistas e muito liberais, pode ser um grande atraso. Nessa troca contínua, o novo político pode acabar desfazendo ou não dando continuidade a diversas iniciativas que vinham sendo feitas, provocando “reboots” periodicamente.

Com representantes do Executivo menos radicais, teremos mais chance de candidatos de centro (tanto de direita quanto esquerda) no poder, gerando uma transição construtiva, ao invés de destrutiva.

  • MELHOR GOVERNABILIDADE: candidatos menos radicais têm mais facilidade de conseguir apoio político para implantar grandes projetos, suscitando um melhor alinhamento entre a população e os poderes Executivo e Legislativo.

 

Comentários finais

É fundamental entender que nenhum modelo de votação irá resolver os problemas do Brasil sozinho.

Será preciso criar um ambiente menos corrupto, ético e que não se utilize da máquina eleitoral em proveito próprio.

Convidamos você leitor a debater com a gente essa nova metodologia, trazendo críticas e sugestões de melhorias!

Se tiver alguma coisa que queira adicionar, não deixe de escrever seu comentário aqui no Metricx Blog.

Fonte:

Sobre a qwst.

Há 18 anos, a Qwst vem ajudando as empresas a entenderem com profundidade as decisões dos consumidores, por meio de pesquisas de satisfação, em diferentes metodologias, como NPS®, Conjoint, Maxdiff e Worthix. Além disso, somos líderes em projetos de CEM (Customer Experience Management) no cenário brasileiro; a primeira consultoria a trazer modelos econométricos customizados e “métodos de valuation”, para o cálculo do retorno sobre investimento das experiências dos clientes.

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Fabio Cerqueira

Fabio Cerqueira

CEO da Qwst, especialista há mais de 10 anos em modelagem econométrica e financeira em Customer Experience. Já desenvolveu projetos de CX para empresas como Santander, Votorantim, Bradesco, Webmotors, Natura, Riachuelo, Latam Travel, Tigre, Localiza, entre outras, buscando a entender com profundidade as decisões dos consumidores através de Pesquisas de Satisfação, NPS, Conjoint, Maxdiff e Worthix.

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